Em artigo para a revista Época, o médico Jairo Bouer afirmou que o preconceito e a violência que os jovens gays sofrem aumentam a vulnerabilidade desse público ao vírus da aids. A sensação de onipotência também os torna mais vulneráveis, afirmou Jairo. Leia o artigo na íntegra a seguir.
A aids e os jovens
Os números divulgados pelo Ministério da Saúde no dia Mundial da Luta contra a aids mostram que, apesar de a doença estar sob controle no Brasil, ela ainda pode ser considerada uma epidemia concentrada. São 35 mil casos novos todos os anos, quase 3 mil por mês, cerca de 100 diagnósticos por dia. Alguns grupos estão sob maior risco. O que chama mais a atenção são os jovens, entre eles os garotos que fazem sexo com outros homens. Eles correspondem a quase 35% das novas infecções nessa faixa etária. Não é à toa que a campanha de prevenção, que começou no dia 1o de dezembro, é dirigida a esse grupo.
A incidência do vírus HIV na população de homens que faz sexo com homens ainda é mais alta que na população geral. Na população, essa taxa é de 0,5% a 0,6%. Entre os jovens gays, de 18 a 24 anos, o índice sobe para 4,3%, segundo dados do Ministério da Saúde divulgados na última semana. O risco de um jovem gay estar infectado é cerca de 13 vezes maior que entre jovens em geral. Essa diferença de risco de contaminação também ocorre em cidades como San Francisco, Nova York e Paris, apesar da articulação que a comunidade gay tem nesses locais.
Por que esse grupo de homens que fazem sexo com homens, um dos que mais receberam atenção nos trabalhos de prevenção nestes últimos 20 anos, tem se tornado vulnerável a novas contaminações? Uma das explicações para o fenômeno da falha na proteção é o distanciamento dos jovens das fases mais críticas da epidemia. O fato de eles não terem visto amigos adoecerem ou morrerem pode ter relativizado o risco da infecção, na percepção deles. A sensação de onipotência aliada à impulsividade típica da adolescência ou do início da vida adulta ajuda a entender esse quadro.
Entre os jovens, o uso da camisinha é comum nas primeiras relações sexuais (taxas de 60% a 80% de uso). Mas a manutenção do hábito é um problema. À medida que as relações se tornam mais estáveis (o que ocorre rápido na visão dos jovens) ou sob efeito de álcool ou de outras substâncias de uso frequente na noite, a importância da proteção diminui, e o preservativo acaba abandonado no fundo da gaveta.
O preconceito e a violência moral e física que os jovens que fazem sexo com homens sofrem também têm relação com o aumento dos índices de contaminação nesse grupo. Muitos são vítimas de bullying e chegam a sofrer violência física por causa de homofobia. O preconceito aparece mesmo dentro de casa. Relato de filhos homossexuais que se sentem discriminados pelos pais são comuns. Com a autoestima abalada, esses jovens se cuidam menos. Sentindo-se diminuídos, eles dão menos importância ao risco que correm. A batalha para baixar os índices de contaminação passa pela conscientização de toda a sociedade. Estimular a prevenção é tão importante quanto combater o preconceito.
Jairo Bouer é médico formado pela USP, com residência em psiquiatria. Trabalha com comunicação e saúde.
Fonte: http://www.agenciaaids.com.br/noticias/interna.php?id=18214